Espaço para crescer - Michelle Zachlod

A recomendação de leitura de hoje vem da professora Suely Mello. Neste breve testemunho, Michelle Zachlod conta sua experiência acerca de controle e respeito dentro da Educação Infantil. Boa leitura!

ZACHLOD, Michelle G. Espaço para crescer. Educacional leadership, n. 1, p. 51-53, v. 54, 1996.

ESPAÇO PARA CRESCER

Dar à criança um senso de posse em sua sala de aula pode conduzir ao tipo de meio aberto e cooperativo de aprendizagem com que muitos professores sonham.

Retornando para a minha classe de primeira série após dois dias de ausência, fui cumprimentada com histórias, gravuras e cartões dos meus alunos, junto com a avaliação de meu substituto: "Classe fantástica! A melhor primeira série com que já trabalhei!" Sorrindo, coloquei a avaliação em um arquivo com semelhantes documentos acumulados durante um ano repleto de obrigações que me fizeram ausentar-me da sala.
No recreio, uma outra professora de primeira série, cujas crianças haviam inspirado comentários não tão brilhantes de sua última substituta, perguntou o que eu fazia para tornar minhas crianças tão capazes e cooperativas. Sua pergunta expressava-se em termos de disciplina.
"Sua sala é tão boa. Diga-nos o seu segredo. O que você faz para conseguir disciplina?" ela perguntou.
Eu hesitei, sabendo que a resposta era muito mais complexa do que uma breve explanação sobre como controlar uma classe.
Finalmente, eu respondi, "Eu converso com eles."
"Não, eu não quero dizer isso. O que você faz quando conversar não é suficiente?"
Eu sabia que estava simplificando demais quando eu respondi, "Eu faço algumas coisas. Nós discutimos sobre o que acontece durante o dia. Eu me empenho em não ser a controladora de disciplina ou a dona da classe. Eu quero ter uma classe que seja uma comunidade de aprendizes. Eu não quero que ela seja minha classe com crianças que sejam visitantes apáticos __ é nossa classe."
Parecendo incrédula, ela tentou novamente, "Você deve fazer mais do que isso, você deve pelo menos ligar para suas casas e conversar com os pais sobre mau comportamento."
"Não, na verdade eu não faço isso. Se problemas estão acontecendo em sala de aula, é aí que eu penso que os problemas devem ser resolvidos. Eu só chamaria os pais se uma criança tivesse machucado seriamente uma outra criança."
Essa conversa acabou sendo catalisadora de uma auto-avaliação  de minha filosofia de educação. Há cerca de seis anos, li um artigo de Constance Kamii (1984) que, como um raio de luz, mudou a maneira pela qual eu concebia o ensino. Kamii discutia a teoria de Piaget a respeito da autonomia moral como um processo de auto-governo. De acordo com ambos, Piaget e Kamii, disciplina e conhecimento não são coisas tangíveis mas devem ser construídas dentro das estruturas de conhecimento existentes na criança. Antes de ler tal artigo, e muito outros a respeito do construtivismo, eu me considerava uma boa professora. Eu também acreditava que eu tinha de controlar toda a aprendizagem que ocorria em minha classe. Como eu mudei!
Muitos professores resistem para desistir do controle. Mas dar às crianças a oportunidade de se tornarem autônomas, permitindo-lhes tomar decisões, não significa perder o controle; significa prover uma estrutura de aprendizagem, ter expectativas e, então, acrescentar muito espaço de movimento para momentos de auto-direção.
O processo de internalização da disciplina ocorre em estágios de desenvolvimento. Como uma veterana observadora de crianças, tenho notado que elas adquirem auto-disciplina que é duradoura e transferível. Elas também constróem sobre o que elas já conhecem à medida que evoluem para a vida adulta. As crianças tornam-se participantes confiantes e ativos de sua própria aprendizagem, aprendendo a usar seus próprios recursos internos.

Responsabilidade
Através de meus anos de experiência com primeiras séries, aprendi que as crianças prosperam quando lhes são dadas responsabilidades apropriadas em sala de aula; isso lhes dá um senso de posse e auto-confiança. Confiança é parceira da responsabilidade. Quando aprendemos a trabalhar juntos em uma comunidade, meu papel é estender às crianças uma atitude de abertura, interesse e cuidadosa resposta. As crianças sabem, pela minha apreciação ativa e compreensão, que eu confio que elas farão o melhor e cumprirão sua responsabilidade seriamente.
Eu também permito-lhes perceberem que eu não espero perfeição. Não é problema ter erros, interpretações falsas e incompreensões, particularmente nos estágios iniciais quando eles experimentam suas asas ao assumirem responsabilidade. Por exemplo, crianças que estão aprendendo a lidar com as tarefas variadas de ser ajudantes __ reunindo materiais apropriados, medindo, contando e obedecendo ordens __ estão sujeitas a encontrar desafios. Como resultado, as crianças ou farão o que deve ser feito ou, enquanto classe, discutirão __ objetivamente e sem reclamar __ como melhorar o processo da próxima vez. Com ambas as possibilidades há oportunidade para crescer.
Com crescente responsabilidade, as crianças não apenas ganham confiança em suas próprias habilidades e idéias, mas também aprendem a ajudar os outros e aprendem com seus pares, acompanhando crianças que têm dificuldades.
A generosidade e a ajuda fazem bem aos doadores e recebedores e constróem preocupação genuína e apreço pelos outros __ enquanto criam oportunidades para interação positiva que eu, como professora, não direciono!
Aprender que os sistemas podem ser melhorados é um importante passo na construção da autonomia. Responsabilidades crescentes oferecem às crianças oportunidades de resolver problemas examinando o que funciona e o que não funciona. Para facilitar o fluxo das idéias das crianças, eu faço perguntas abertas tais como, "Como podemos ter certeza de que da próxima vez a mesa três terá todos os seus materiais? Existe uma melhor maneira para organizar e passar os materiais de arte? Como poderíamos despender menos tempo fazendo isso de modo a termos mais tempo para trabalhar em nosso projeto?"
Eu não tenho respostas certas para que as crianças adivinhem. Pelo contrário, eu lhes dou tempo para conseguir respostas e debater os méritos e dificuldades de cada uma delas. Muito freqüentemente nós, como professores, nos preocupamos em cumprir o currículo e perdemos a óbvia importância do momento de que as crianças precisam para gerar idéias que são significativas para suas vidas. As crianças aprendem a responsabilidade quando elas tomam decisões a respeito de como sua sala de aula é conduzida.
A disciplina torna-se não uma questão de meu controle, mas uma questão de desistir do controle em áreas com que as crianças são, em seu desenvolvimento, capazes de lidar.

Respeito
Se perguntados, muitos professores diriam que eles definitivamente transmitem respeito a seus alunos. Respeito parece-me ser menos tangível e mais personalizado do que a responsabilidade. Mostrar respeito leva tempo __ tempo para ouvir aquilo que as crianças têm para dizer e cuidadosamente responder às suas idéias e questões. Todos os professores tiveram uma criança que leva o que parece ser uma eternidade para contar uma história. Quando eu me sento e escuto essa criança enquanto 26 outras crianças esperam sua vez, eu respiro fundo e me concentro naquilo que essa criança está tentando dividir comigo. Eu lhe mostro que eu respeito o que ela está dizendo e eu modelo audição respeitosa para as outras crianças através de minha linguagem corporal e expressões faciais. Eu faço contato com o olhar quando eu escuto e inclino-me na direção do falante para mostrar meu interesse.
Também leva tempo observar o que as crianças fazem __ o esforço que uma criança está despendendo, a alegria que uma outra está sentindo __ de modo que as interações com cada criança possam ser compreensivas e respeitosas a respeito de quem essa criança é. Vivian Gussin Paley (1986) fala a respeito de Bill, um visitante de sua classe, que lidava de uma maneira mágica com as crianças. Depois de observá-lo algumas vezes, ela acertadamente disse que ele tinha sucesso porque ele era verdadeiramente curioso a respeito do que as crianças pensavam e diziam. Suas perguntas não tinham respostas preconcebidas, permitindo-lhe observar como aquelas crianças de 5 anos intuitivamente faziam para resolver problemas.
Respeito é também mostrado através da linguagem. As palavras e o tom que eu uso transmitem se eu respeito uma criança ou a classe inteira. O sarcasmo e a superioridade fecham a porta à comunicação e ao senso de comunidade. As crianças instintivamente sabem que não é seguro confiar em alguém que não as trata com respeito.
Modelar formas respeitosas de interação é apenas parte da figura. A outra parte é monitorar como as crianças tratam umas às outras. Quando uma criança não respeita uma outra criança, eu discuto a situação objetivamente. Eu devo demonstrar o que eu acho que aconteceu: "Darby diz que você pegou o lápis dele. Se você precisa de um lápis, eu gostaria que você devolvesse o dele e eu lhe darei um outro." Dizer a uma criança que necessita de um lápis que ela é má ao roubar um lápis de alguém, apenas gera defesa. Saber que uma criança quer ou necessita de algo e depois usar habilidades de resolução de problemas para encontrar uma solução em conjunto cria um clima positivo de aceitação.
Estabelecer o que aconteceu em termos de não-julgamento dá às crianças a oportunidade de responder de formas lógicas que são significativas para elas. Se existe uma confrontação, eu posso colocar um problema para a classe responder: "Algumas crianças estão zangadas com outras porque elas precisam compartilhar a cola, e elas sentem que ela não está sendo compartilhada igualmente. O que vocês acham que elas deveriam fazer?" As crianças às vezes oferecem as suas para serem compartilhadas ou oferecem sugestões a respeito de uma partilha justa, como: "Contar até cinco e depois dar a cola para outra pessoa." As crianças em questão usam assim a sugestão de que eles gostam. É sua escolha, uma vez que são eles que, em última instância, resolvem o problema. Tenho muito cuidado em não encaminhar a minha solução __ isso pode inibir a autonomia da criança, e a discussão usualmente continua apesar de eles mesmos decidirem por uma solução.
Na primeira série, quando a maioria da criança ainda está no estágio egocêntrico de seu desenvolvimento, dividir não é apenas uma grande tarefa, mas é também importante para o início de sua autonomia moral. Pedir, mais do que dizer o que elas devem fazer, encoraja as crianças a ser solucionadoras auto-dirigidas de problemas, em última instância, tomadoras autônomas de decisão. Sempre perguntei, "Este aluno precisa de um lápis. Alguém tem um para compartilhar?"  Não houve uma só vez em que cinco ou seis crianças não tenham oferecido. Eu sempre me asseguro de agradecer a eles por seu cuidado e generosidade.
Perguntar às crianças como se sentem quando algo negativo ocorre é outra forma de fazer surgir respostas pessoais. Quando uma criança compartilha aquilo que a torna zangada quando uma outra criança a chateia, eu posso pedir a outras crianças para responder. Eu sempre consigo mais respostas do que eu realmente quero, mas as crianças sabem que o que elas sentem e têm para dizer é importante e tem valor.

Currículo gerado pela criança
O currículo gerado pela criança e a disciplina parecem bem distantes um do outro, contudo os dois fazem perfeita parceria quando vistos de uma perspectiva construtivista. No último outono, eu fui morar e lecionar em uma cidade deserta. As crianças em nossa classe estavam muito interessadas na vida animal que as cercava, particularmente os mais perigosos tipos de escorpiões, tarântulas e viúvas-negras. Havia também muita discussão sobre a Mojave Green, uma misteriosa cascavel que inspirou contos de grande bravura e destemor das crianças que juravam ter visto uma delas.
À medida que o interesse no assunto tornou-se mais intenso, vidros com insetos variando de um louva-a-deus a um gafanhoto chegavam em classe. Eu perguntei a meus alunos se eles gostariam de conhecer mais a respeito dos insetos e recebi um estrondoso sim. Então, nós estudamos os insetos. Nós alimentamos as formigas que tinham um ninho próximo ao nosso prédio, observamo-las e anotamos o que elas gostavam de comer. Escrevemos histórias, cantamos canções, memorizamos poemas e desenhamos figuras. Por um mês e meio, as crianças estavam totalmente envolvidas com a aprendizagem sobre os insetos. Quando senti que o interesse delas estava acabando, mudamos para um novo tópico.
Quando as crianças estão fascinadas pelo assunto, elas não se sentem forçadas a aprender, em seguir minha agenda em minha classe, que é quando os problemas de disciplina ocorrem. O currículo é delas __ elas não se aborrecem. Ao contrário, elas se tornam autônomas, aprendizes auto-direcionados __ introduzindo idéias e informações a serem partilhadas e envolvendo seus pais no processo. Cumpri o capítulo um do livro de Ciências Sociais ou Ciências? Não. As crianças leram, escreveram, aprenderam Geografia, fizeram exploração científica, fizeram perguntas e descobriram respostas? Definitivamente!
As crianças trazem para a sala de aula uma visão pessoal da vida que pode ser formada por duras realidades. Eu visualizo minha classe como um lugar calmo e seguro __ um lugar onde as crianças podem testar suas idéias, desenvolver autonomia moral, encontrar respostas à suas perguntas e aprender sobre o que lhes interessa. Da mesma forma que uma criança chora para chamar atenção, uma criança sem poderes requer atenção através do comportamento negativo. As crianças envolvidas em atividades geradas por elas e apropriadas ao seu desenvolvimento não têm necessidade para as demandas extremas por atenção que são rotuladas como problemas disciplinares.

Referências
KAMII, C. (Fevereiro, 1984) Autonomy: the aim of education envisioned by Piaget. Phi Delta Kappan 65: 410-415.
PALEY, V.G. (Maio, 1986) On listening to what children say. Harvard Educational Review 56, 1: 126-131.
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Michelle G. Zachlod é uma professora de primeira série na Escola Elementar Robert P. Ulrich e uma conferencista em Educação na Universidade Estadual da Califórnia em Bakersfield. Ela pode ser encontrada no endereço: 8649 Eucalyptus Ave., California City, CA 93505.

Espaço para crescer - Michelle Zachlod Espaço para crescer - Michelle Zachlod Reviewed by Lara Bridi Costa on abril 03, 2019 Rating: 5
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