Memórias de uma professora na travessia do tempo... - Cassiana Magalhães



Tem tantas coisas estranhas que acontecem na nossa vida, mas com o passar do tempo percebemos que não são tão estranhas assim. 


Quando eu era criança gostava de "ensinar". Pedia para as costureiras da minha mãe, prestarem atenção na minha aula. Eu queria ser professora delas. Ficava brava quando não olhavam para mim e olhavam para a máquina de costura.


Depois, sempre tentava ensinar algo a alguma criança. Uma letra, uma novidade, uma história...


Encontrei-me como catequista na igreja Bom Jesus porque mesmo nova podia assumir um grupo de crianças e fazer com elas aquilo que eu acreditava ser bom. Ensinava as coisas dos livros e da Bíblia, mas também brincava, cantava, mesmo desafinada, dançava muito, inventava de pegar vídeos na locadora e levar todas as crianças para minha casa que ficava do outro lado da rua, pois naquela época muitas crianças do bairro não tinham acesso às locadoras.


Antes dos 15 anos ensinava piano. Mas eu sabia tocar piano? Não. Até hoje não sei. Ensinava aquilo que havia aprendido umas duas aulas antes com a minha irmã (professora de música de verdade) na escola dela chamada: “Musicativa”, e ainda ajudava nas turmas de musicalização, meu papel era auxiliar nas atividades, organizar os espaços e cuidar das crianças enquanto os pais não chegavam.  


Com 15 anos comecei a fazer magistério porque era isso que eu queria - Ser professora. E tão logo comecei fui contratada como auxiliar na mesma escola que havia frequentado na infância, a escola Paroquial. Lembro até hoje da irmã Catarina nos dando bronca durante os recreios (infância) e depois assinando pela primeira vez a minha carteira de trabalho.


Dois anos depois eu já tinha minha própria turma. Fui trabalhar na escola Roda do Tempo, então com 17 anos me achava super professora, cheia de inventar passeios com uma turma de crianças pequenas, preparar "novidades", pedir para minha mãe costurar roupas diferentes para mim e para minhas crianças. Lembro em especial de uma roupa para uma apresentação: "Coisinha linda do pai", sambamos e nos divertimos muito.


No período do vestibular fiquei em dúvida entre Jornalismo e Pedagogia (esqueci de contar que fazia leitura na igreja, sempre amei microfone e achava aquilo o máximo, naquele tempo, suficiente para desejar ser jornalista por isso), mas acabei fazendo Pedagogia e de lá para cá, nunca mais parei. Pedagogia. Psicopedagogia. Especialização em Educação Infantil, Mestrado, Doutorado, Pós-Doutorado, sempre com o olhar voltado para as crianças da educação infantil.


Passei por várias escolas, experiências diferentes, todas especiais a seu modo. Destaco "O Meu Chocolate", lugar onde pude assumir a coordenação pedagógica e colocar em prática tantos sonhos, envolvendo as famílias e as crianças, com uma equipe que super apoiava e confiava no meu trabalho.


Ao longo do tempo descobri que ao tentar ensinar os outros eu aprendi muito. Quanto mais se complexificava a situação, eu precisava estudar para aprender e ensinar. E aquilo que na infância parecia uma coisa estranha, foi tomando um lugar real, todas as experiências vivenciadas por meio da brincadeira de papéis de uma criança, foram contribuindo para a constituição da minha personalidade.


Hoje eu ensino como ser professora de crianças. Então o melhor lugar do mundo para aprender a profissão docente, é o campo de estágio. Lá, o conteúdo aprendido na universidade pode ser materializado por meio das nossas ações, das propostas que fazemos, do modo como intervimos e nos relacionamos com as crianças e com outros adultos.


Posso dizer que tenho o privilégio de estar num campo de estágio em que somos acolhidas e acolhidos pela equipe (diretora, coordenadores, professores e demais funcionários), todos, sem ordem de prioridade aceitam nossa presença no Cmei Laura e nos ajudam a aprender a profissão.


Acredito que a Pedagogia se interpõe entre os conhecimentos do senso comum e os conhecimentos científicos. Nunca gostei da frase "na prática a teoria é outra", isso só acontece quando não nos apropriamos de teoria alguma para construir o nosso trabalho docente. Entretanto, a teoria não pode se referir simplesmente em discutir os autores, repetir palavras bonitas, mas refletir essencialmente no modo como nos relacionamos com os outros, como respeitamos às crianças e como vivemos efetivamente nosso trabalho diariamente.   


Por que estou falando isso hoje? Porque hoje, 25/09/2023, primavera, temperatura de quase 40 graus em Londrina, nós iniciamos um novo grupo de estágio. Sim, nosso calendário está atrasado por conta de tantas intempéries (pandemia, paralisação docente). Então hoje foi dia de conhecer o campo de estágio para 11 estudantes, agora estagiárias. E, apesar do cansaço do fim do ano (sim, já vejo as luzes do Natal), de tantos problemas que nos rondam, em especial, do quão pesada está a vida acadêmica, ainda assim, ao chegar numa instituição de educação infantil, a sensação que tenho é de que a esperança se renova. 


Se renova pelos olhinhos curiosos das crianças que desejam saber quem são esses adultos desconhecidos. Nos bebês que nos estranham e, mesmo assim, aceitam nosso colo, naquele cheirinho de suor no pescoço e boca toda suja do jantar.


Na criança da manhã que foi transferida para a tarde e vem dar um abraço afetuoso na professora antiga, que agora também assume o papel de orientadora de estágio.


Se renova pelo sorriso da funcionária da cozinha que te cumprimenta com carinho e lembra que você sempre está ali com um grupo de estagiárias.


Nas professoras que nos recebem em cada turma.


Enfim, se renova.


A esperança é de que, apesar de tudo, novas professoras virão. Novos estudantes querem conhecer a profissão docente e por motivos variados estão aqui, mas a partir de agora, assumem este lugar de aprendizes com outros que, apesar de terem passado pelo processo, aceitam o desafio de continuar aprendendo a cada dia.


É a nossa profissão. Para ensinar algo a alguém você precisa de alguém que te ensine antes. E esse ciclo respeitoso, desafiador é que nos coloca diante de outros, que assim como nós, também querem e merecem aprender da melhor forma possível.


E de fato, é o que eu desejo, tanto para as novas estagiárias, para outros que estão pensando em fazer esta escolha profissional e em especial, para cada professora e professor atuante. Que mesmo o final do ano, pareça sempre um novo começo, cheio de esperança para todos da comunidade escolar.


Comecei nomear a quem sou grata e percebi que não consigo. Sinto gratidão por tantas crianças, professoras, pais, costureiras, que me ensinaram a tecer essa profissão que abracei como brincadeira preferida da infância e como trabalho na vida adulta.


Espero seguir a travessia com os olhos de quem, depois de tantos anos, ainda se encanta com novos começos.



Cassiana Magalhães
25 de setembro de 2023.
Memórias de uma professora na travessia do tempo... - Cassiana Magalhães Memórias de uma professora na travessia do tempo... - Cassiana Magalhães Reviewed by Blog Baguncei on setembro 28, 2023 Rating: 5
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